segunda-feira, 3 de junho de 2013

Leia este texto escrito por Mia Couto:

Carta para meu filho Madyo Dawany

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Hoje cheguei e não havia o teu sorriso reconfortando-me. Fiquei triste e sem coragem como se fosse do teu tamanho, assim pequenino. Não é possível tu estares comigo e isso rouba-me o coração.
Este desejo de te querer junto a mim é um desejo egoísta, eu sei. Quero isso mais por mim que por ti. Quando te escrevo é mais para mim do que para ti.
Faço-te esta confissão de egoísmo para que saibas, meu filho, que te amo de todas as maneiras que sei amar. E mesmo assim sinto que não sei amar, que me falta estar vivo. Saberás do que falo quando desvendares alguns mistérios do mundo. Assim crescerás à medida do teu sonho.
Quero que respeites esta insuficiente maneira de amar dos homens do meu tempo. E que ames tudo aquilo que os homens antes de ti construíram por amor a outros homens, mesmo que o tenham feito incompletamente. E que recordes que por trás de cada coisa transformada há sempre uma gota de sangue: tudo resulta da luta, mesmo que essa luta tenha sido apenas interior e aparente.
Sentirei que a minha vida se desdobra como a onda que mesmo desfeita se renova. Sentir-me-ei como a onda que sabe que depois de desfeita se prolongará no eterno movimento dos homens lutando e construindo por amor aos outros que nem sequer conhecem.

MIA COUTO
Do livro: Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Editora: Ndjira
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